“Félix seria então uma denúncia dos impactos nocivos do recalque da homossexualidade ou internalização da homofobia sobre o caráter de gays e lésbicas: estes experimentam inicialmente, desde a mais tenra infância, o sentimento de pertencer a outra raça; com raras exceções, são vistos pelos próprios pais, quase sempre violentamente hostis à orientação sexual ou identidade de gênero que se expressa apesar de toda repressão, como condenados a uma sexualidade vergonhosa e incapazes de lhes gerar uma descendência; por conta disso, para não decepcionarem esses pais e estarem à altura das suas (dos pais) expectativas, muitos são os que desenvolvem um ódio de si mesmo (e, logo, do semelhante; ou seja, internalizam a homofobia), buscando no suicídio ou no fingimento a saída para seu sofrimento, podendo o fingimento incluir a busca pela realização do desejo homossexual no sexo anônimo em banheiros públicos, saunas e parques; realização do desejo sempre seguida de culpa e de mais ódio de si, claro. Félix seria alguém que teria optado por essa segunda saída. Todo seu fingimento – e por conseguinte todo seu mau caráter – é em nome do pai que sempre o rejeitou e reprimiu por causa da homossexualidade. Félix seria um perverso em função da “lei do pai”; teria uma perversão por conta desta; seria uma “père-version” (versão outra do pai), para usar a expressão lacaniana. Não por acaso Walcyr Carrasco havia escolhido, como primeiro título de sua novela, a expressão “Em nome do pai”. “ Jean Wyllys num texto super lucido sobre a construção do personagem, vale muito a leitura
A novela amor à vida, ontem, exibiu um capítulo incrível e didático sobre saída do armário e a necessidade da aceitação familiar. Tudo foi devidamente pontuado: a percepção da mãe desde a infância, a inércia diante disso, a intolerância do pai, a complicada relação com o filho e a competição com a irmã. A heterossexualidade compulsória impõe a necessidade de “revelação” quando existe uma experiência homossexual prolongada e/ou a percepção da orientação sexual diferente da norma heterossexual. Isso não acontece com nenhuma outra condição, como os negros, por exemplo. Os negros enfrentam inúmeros preconceitos raciais, históricos e etc. Mas em suas famílias eles são tratados como iguais. Não existe a necessidade dessa primeira aceitação. A humorista americana Wanda Sykes fez um stand up comedy imperdível falando disso.
Daí que Felix não revelou, foi revelado. E acabou tendo uma experiência linda com toda a família, menos com o pai. Acredito que pros homens seja particularmente difícil a revelação da homossexualidade a um pai como o César, que manipula e age de forma autoritária com toda a família. Mas o pior, que se vê ameaçado em sua própria heterossexualidade, sua macheza, seus valores de “homem”. Não ser homem significa ser “menos” para tipos como o César, que vê na mulher a companheira submissa ideal que ampara e protege sua brilhante carreira e imagem, esconde e acoberta seus erros. Homofobia anda de braços dados com misoginia, não se enganem.
Talvez por isso, seja tão importante a figura da mãe. A mãe não se sente ameaçada em sua sexualidade nem hierarquia de gênero, no máximo se questiona sobre a educação dada, sobre sua “competência” como mãe e etc. E talvez por isso eu sempre me emocione muito quando um pai consegue dar esse passo de aceitação. Então vou postar aqui um desses casos.
Haline Santiago
A TV Pirata fez uma maravilhosa saída do armário de um negro: http://www.youtube.com/watch?v=KSmR41_tbq0